Sabemos que o coronavírus não faz distinção entre homens e mulheres, podendo afetar pessoas de ambos os sexos. No entanto, este período de isolamento tem mostrado que as mulheres podem ser vítimas de perigos ainda maiores do que a própria infecção pelo Covid19. Falta de atendimentos em postos de saúde, dificuldade de acesso a medicamentos e à rotina de pré-natal, sobrecarga no dia a dia e violência doméstica são apenas alguns dos problemas trazidos à tona com o isolamento social.
Acesso ao sistema de saúde
Com a suspensão dos atendimentos eletivos, boa parte da população deixou de frequentar os serviços de saúde e de realizar exames de prevenção de doenças. Além disto, algumas pessoas deixaram de buscar medicamentos essenciais, como anticoncepcionais. Assim, algumas mulheres poderão acabar sofrendo com gestações não planejadas. Sabemos que os atendimentos de pré natal não foram suspensos, mas algumas mulheres deixaram de frequentar estas consultas por medo de sair de casa e ir até sua unidade de saúde, receosas do contágio pelo vírus. Assim, orientações essenciais e exames de rotina pré natal podem deixar de ser realizados, prejudicando a saúde da gestante e do bebê.
Sobrecarga de atividades
Casa, comida, roupas, escolas fechadas, tarefas de casa, home office e homeschooling… Tudo isto intensificou a carga de atividades atribuídas, na grande maioria das vezes, às mulheres. Com a pandemia e a necessidade de se manter em casa, as atividades parecem não ter fim. Grande parte daquelas mulheres que contavam com algum tipo de ajuda (seja por babás, funcionárias em casa ou pelo parceiro) passaram a ter que realizar tudo-e-mais-um-pouco completamente sós. Isto, associado ao isolamento e distanciamento social tem agravado crises de stress e depressão na população feminina. Um estudo americano mostrou que 57% das mulheres referiram aumento dos níveis de stress na pandemia, enquanto somente 37% dos homens responderam a mesma coisa. A pandemia acentuou inúmeras diferenças (como as econômicas, sociais, culturais), e entre elas se destaca a desigualdade de gêneros.
Violência doméstica
Um levantamento inédito sobre a violência doméstica entre os meses de março e abril deste ano apontou que os casos de feminicídio no Brasil aumentaram 5% em relação a igual período de 2019. Confinadas em casa, aquelas mulheres que vivem com seus agressores estão praticamente em cárcere privado junto a eles. Grande parte delas não tem acesso a familiares, amigas ou vizinhas. Existem canais de comunicação para realizar denúncias sem sequer sair de casa. Entre eles, se destacam o número 180, aplicativos de celular ou mídias sociais. Estes canais procuram ajudar estas mulheres a saírem do ciclo de violência em que vivem. A violência doméstica é um fenômeno muitas vezes silencioso e pautado na solidão. Fortalecer a rede de apoio e incentivar debates e discussões podem ser medidas essenciais no combate a estes crimes.
As consequências físicas e econômicas da crise do coronavírus parecem mais claras até aqui. Porém, seu impacto na população feminina não pode ser ignorado. É preciso enxergar esta triste realidade, agravada pela presença do Covid19 (e não apenas pelo isolamento social em si). Mulheres: somos fortes! É preciso atenção, afeto e união para que possamos todas sobreviver a este momento tão triste na história mundial.
Ginecologista especializada em Reprodução Humana, Endocrinologia ginecológica e Anticoncepção FMRP-USP, com mestrado e doutorado